segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Recife Revisitado 2



A pagina branca esmaga o ensaio do verso
Sob o fardo do vento gelado do norte
Em Minnesota.

Montanhas de gelo se erguem
Durante as frias madrugadas
Fazendo sombra aos pobres carros
Cobertos de neve
Deslizando pelas estradas.

Mas a vida segue
E o planeta gira
E o sol dança ao redor do universo
Que também cai
em direção ao centro da galáxia.
(e a galáxia sabe se la para onde ela cai...)

Nessa tempo de fuga
Limpou o sol dos montes de neve
E fez me voar muitas leguas ao sul
Numa região eternamente castigada pelo sol
Que se conhece por Pernambuco
Mais precisamente sua capital
A magnânima Recife!
A venérea Brasileira,
Carinhosamente apelidada de Resífilis
Também codinomeada Manguetown.

Com calma
Observo teu rio
Da janelo do meu quarto
E juntos os retalhos do que me dais
Do que me tirais...

Recife,
Queria fazer um grande poema pra ti
Uma homenagem
Crítica e amarga
Saudosa 
Como os sentimentos mistos 
que guardo por ti.

Não te renego
e te carrego sempre
Involuntariamente.
Sinto teu perfume de merda
Teu mangue
E bosta que nela se mistura
Nos campos floridos do Império,
por contraste.

E quando miro os parques e alamedas
De Minneapolis
Na grama bem cortada
só vejo sangue...
E o rio Mississípi 
Ainda carrega em mim os lamentos
Dos que foram pisoteados por essa maquina absurda
Para aflorar em belos parques
Cuidadosamente mantidos pela prefeitura.

Agora chove em Recife
E olho da janela do meu quarto 
vejo o Capibaribe
Que corre preguiçoso
Carregando somente nossa pobreza geral
Nossa ignorância
E todos os dejetos dos grilhões que usamos
nessa nobre colonia
Do Pau Brasil.

Tenho sentido o fardo
Dos lamentos históricos
e me encharco do sangue dos jornais.
Faltam-me heróis
desconfio de revoluções
e me viro sozinho.
Procuro as grandes solidões dos espaços abertos
somente assim tranquilizo meu enjoo
dessas formigas destrutivas
que chamam de civilização.

Quando não tomado pela dor do mundo
Fujo
E me perco em jogos
E doces remédios para a alma.

E a dor que me sente é dobrada
a unica coisa que me vale é desperdiçada
Inutilmente
Pelo prazer imediato
Da carne e do vinho.

Sonhei com a grande virtude
E ensaiei sublimes revoluções
Em que almejaria a imortalidade
E escreveria as palavras que comovem e inspiram
Mas continuei sendo o da mansarda.

Estudo a democracia no mundo
E sou cada vez menos crente nela.
Prossigo somente com um cinismo afiado
E uma fatalidade amarga
Que da o tom do meu humor canalha.

Mas, Recife,
lembremos das coisas boas,
Da seleção canarinha
Perdendo de 7 a 1 em casa.
Do doce carnaval
No qual o povo se distrai
E se lambuza
De latão quente em Olinda
Enquanto os políticos enchem seus cofres
Para renovar a roubalheira.

Assim tenho levado minha vida
Dissoluto
Perdido
Desesperançoso
Ciente da morte a todo passo
Minimante ciente da história
Para carregando o asco pela humanidade toda.
Sentindo do sol
Somente o efeito estufa.

Meu corpo acompanha minha disposição mental
E definha
Se deforma.

Anseio pelos espaços abertos
Pelo pontal da praia dos Carneiros
Onde meditei sobre a passagem das horas
Com vento a me consolar
E as ondas do mar me lembrando o eterno se desfazer
Que é meu único testamento e fé.

Mas nada disso importa
Gostaria somente de fazer
Uma bem humorada e trágica homenagem a ti
Resífilis
Gloriosa capital de Pernambucocos
Cuja prepotência só sobrepuja
A maior avenida em linha reta do mundo!
E outros grandes feitos memoráveis
Dos quais nos orgulhamos demasiado.

Salve os artistas pernambucanos!
Que fazem beleza
Da lama em Santo Amaro!
Que transformaram
O homem caranguejo faminto de Castro
Num produto cultural
Pronto para ser exportado
Com o patrocínio da Fundarpe
(Que nunca paga na hora ou o acordado
Mas sempre paga o suborno e o caixa dois
Infalivelmente.)

Salve, salve!
Glorioso recife,
A venérea Brasileira.
Sentirei muito a sua falta
Na minha breve andança pelo mundo.
E em cada reclamação que eu fizer
Sempre carregarei o lixo das tuas ruas
E o fedor dos teus canais
E a ignorância canalha e prepotente da tua elite que se empilha em prédios residencias de duvidável valor arquitetônico.

Salve o Novo Recife!


Recife, 18 Julho de 2014

Recife Revisitado


Recife,
Um azul absurdo
De céu aberto.

Calorosa tarde
Que se desmancha
Ao passar de nuvens e maruim
E o rio Capibaribe que fede a mangue e merda
Garrafas plasticas
Que boiam
Eu
Na minha janela
Ponderando o horizonte de prédios bege...

Recife,
Sou te tão estrangeiro quanto aqui
Nas terras gélidas de Minnesota...

Vejo pessoas passarem
E não dou por elas.
Espero o Carnaval
Para embriagado descer as ladeiras de Olinda...

Recife,
Nada me dais, tudo me tirais!

Mas prossigo são
Escrevendo sobre a política americana
Desprezando o império
Mas estando nele...

Vou ao supermercado
E baixo a cabeça
Sinto frio.

Mas nessa página
Faço minha janela para Recife
E sinto grato seu fedor.

Nesse verso recebo
O calor necessário
Para derreter a montanha de neve
Que se acumula
E me prende
Para servir ao império
E vencê-lo!

Para avançar os degraus do meu destino
Almejar a Grande Saúde
Se contentar com menos
Escrever política em inglês

Ser estrangeiro onde for
estrangeiro na vida.                                        


01/2014

Meu poema está encharcado de sangue


Acordo dum sonho em que voada por sobre a cidade
Levanto
Pisando o esquerdo primeiro
Preciso de um cafe
Meu cafe amargo e acido e negro
Saboreio a indigestão que ele me traz
Lembro do fígado castigado pelas cachaças da adolescência
Faço meu pequeno ritual na privada
E abro o jornal...

Mas o jornal transborda de sangue
Um sangue escuro e velho
E o sangue transborda sobre meus sapatos
Ergo-me perplexo
Escorrego no sangue que jorra e já vaza do banheiro
Vagarosamente luto por entre o sangue caudaloso que transborda do jornal.

Mas dou descarga
E toda merda segue abaixo
Na escuridão dos esgotos que desconhecemos.

Então
Começo o dia
Com um bom banho
Para lavar a alma
E visto a máscara
De cidadão bem humorado...

Mas o sangue
O sangue velho do jornal

Ele manchou o meu verso.

Sonho de inverno

Sonho de inverno

Tenho sonhado que posso voar.
Um sonho constante.
Tenho pensado que sei voar em sonho melhor do que a maioria
Já sei desviar dos ônibus
e dos fios de energia
e os transeuntes já nem se espantam
só invejando minha amostração. 

As vezes tento voar quando estou acordado
mas para minha tristeza 
nunca funciona...

Nessa noite 
minha perambulanças áreas me levaram para Recife
e para minha grande paixão, Marília. 

O coração fica pequenino
por reviver-la em sonho,
mais um vez. 
Tua ternura me é tão imensa
que não caberia nesse poema
como não coube no sonho
e transborda 
a invadir meu livros e meu escritório
minha manhã fria na capital de Minnesota, muitas léguas ao norte 
onde mora 
meu saudoso coração pernambucano. 

Mas tu, Marília,
és de Alagoas, 
nosso pequeno Estado rival. 
Tu se confunde com as praias belas
com o mar de um azul absurdo
cuja beleza agora me aflige
por contraste 
na minha vida entre livros e escritos políticos
estadunidenses
no austero cotidiano de agora.

Tenho vivido em sonho 
e me custa acordar, 
vencer a cama,
desagarrar o baseado aceso
pelo qual me esquivo da vida
pelo qual me transformo na fumaça
que lentamente sobe às camadas mais altas da estratosfera. 

Tenho vivido acordado 
nesse sonho 
a que eu induzo
distraído
isolado
entretido
entre jogos 
um jogo de imagens
falso 
estéril
como a contemporaneidade.

Mas hoje me sinto acordado
ponho o base de lado
respiro a ar frio que invade a janela
me ergo 
ereto
resoluto. 

No mundo exterior
longe dos meus sonhos de você
mora a injustiça e o horror
a ganancia e crueldade
a ignorância e a intolerância.

Na Síria, no Sudão, na Ucrânia
o sangue escorre grosso e velho e escuro 
pelas ruas das cidades e pelos campos. 
Nas grandes favelas do meu país 
ainda se esgueiram traficantes
lutando
morrendo
sambando.

Por todo mundo 
o mundo definha 
morre de sede e de fome.
De justiça 
não se ouve falar.

Literalmente 
caminhamos para o abismo
com as mudanças climáticas cada vez mais inexoráveis.
Enquanto tudo caminha na mais absurda normalidade.

É preciso permanecer acordado
É preciso permanecer sóbrio
mais que sóbrio, 
vigilante
revoltado.

Não é mais o tempo da delicadeza.
Enquanto o corpo definha 
e a saúde escapa,
o amor que é pequeno, 
enquanto a mediocridade mesquinha e cruel
está no poder 
é preciso um samba de guerra
um samba de dor. 

Esse poema 
é um blues para ti
Marília.
Meu terno coração 
deixei nas páginas dos nossos antigos poemas
que narram domingos impossíveis 
em lagos artificiais e patos ridículos 
que só nós realmente entenderemos.

Ainda estou nos teus braços
olhando as nuvem passarem vagarosas,
em paz com o mundo 
entre teus beijos e coxas
e o teu cheiro 
que jamais esquecerei. 

Registro aqui
um canto de esperança
uma esperança de luta
um ensaio de ação no mundo
de acordar
sóbrio
para enfrentar o vento frio do norte que bate em minha janela.

Por que a vida 
Marília
nos já a estamos perdendo 
aos poucos
todo dia. 

Te ofereço esse grão de eternidade
que nessa manhã em meu coração se reflete. 
Estendo minha mão para ti
nesse canto do mundo
a beira do precipício 
para assistirmos a máquina do mundo 
completar sua obra
enquanto vivemos.

"Não digo que a vida é bela
tão pouco me esquivo dela
digo sim." 



domingo, 29 de setembro de 2013

Inveja dos que dormem no avião ou impressões de Bogotá

Que inveja dos que dormem
Dos que dormem facilmente
Boquiabertos
No avião que voa a 500 quilometros por hora
Atravessando nuvens e ventos
Passando por oceanos e montanhas
Várias cidades de gente.

À noite as luzes da cidade
Brilham nas casas
De várias cores
Pulsam
Milhões de televisões ligadas.
E carros passando
Como células
Numa veia de sangue
Como rio que não é.

Que pode ser o indivíduo
Diante desse monstro humano?
Como pode ser racional?
E se, a mão invisível falhar?

Que inveja dos que dormem
E dirigem seu carro
E leem seu romance
best seller do new york times.
E assistem televisão
E estão no seu smathphone
Ou no seu tablet
Ou no seu kindle
Ou no raio que o parta
E não tem a consciência
Ou ignoram
Preferem não pensar nisso
Se lambuzam num McDonald´s
Batatas fritas
E coca-cola.

Ou outros como eu
Contraditórios
Queimam-se no vinho
No café
E outros vícios.

Mas outro dia
Anunciou no jornal
Que a ONU e seus cientistas
reconhecem o aquecimento global
Que as emissões estão aumentando
E as consequências serão dramáticas
Para a metade da humanidade
Que como Recife
Vive a beira do mar.

A natureza responderá com fúria
Pois ela é viva afinal.
E há um câncer queimando
Dilacerando
Substituindo complexidade
Por latifúndio
Plantas e peixes
Geneticamente modificados.

E dentro dessa jaula
Encontra-se também a ciência política
As ciências sociais.

Que fazem os cientistas do espírito?

Ganham tenure
Publicam artigos
Dão palestras.
Compram carros e casa
Viajam de avião...

Será que eles também
Se sentem esmagados e presos
Numa jaula surreal
Beirando a catástrofe?

Ou seguem
Pequenos burgueses
Sugando as migalhas do Estado
Ou o dinheiros de outros
Só mais uma maquina que se reproduz no sistema?

Uma corporação
Uma burocracia.
Racional
Maximizadora...


II

Do alto do Monserrate
Derrama-se a cidade de Bogotá
Num vale extenso de prédios
De gente
De carros e bicicletas
E esses outros humanos
Que falam espanhol
Que não entendem minha língua.

Mulheres lindas em cada esquina
Em la Candelaria
Vestidas de jeans apertados
Botas
Casacos
E maquiagem.
Com seus longos cabelos negros
Balançando com o caminhar
Pelos paralelepípedos
Nesse canto do mundo.

E os politicólogos seguem com suas discussões
Suas distinções
Vaidades
E interesses científicos.

E se reconhecem
Se criticam
Discutem até.

E há progressistas
E pessoas inteligentes
E bem intencionadas

Mas depois dançamos salsa
E tomamos vinho
E a burguesia de Bogotá se lambuza
E se embriaga numa boate de cinco andares
Chamada Carne de Vaca.

E as carnes de fato são todas muito lindas
Elegantes
Bailamos
Enquanto na noite fria
Esgueiram-se em plantações de cocaína
Guerrilheiros e camponeses
Paramilitares
Índios e negros.

Que pensar da democracia liberal e representativa diante disso?

Robinson sugere que seja um Estado fraco
O problema da Colômbia
Causado por um movimentos político
Que se desenrolou
Naquilo que hoje é história.

E o auditório bate palmas
Diante do acadêmico
Muito inteligente e sensível
And very entertaining.
...

Depois de 18 horas
Entre aeroporto e avião
Hostel de estudantes
Banheiros coletivos
Degusto os prazeres simples da vida:

Cagar no seu bandeiro limpo e só
Tomar uma ducha quente e forte
Dormir na minha cama.
Não comer a porcaria que se oferece pelo menor preço.
Fumar o meu cigarro em paz.

Bogotá es una ciudad muy guapa
E também são suas mulheres
Tenho pensado que vou para a Colômbia
Não para pegar cocaína
Mas para pegar minha mulher
E dançar uma salsa
Enquanto o mundo se queima
Entre bombas atomicas
E químicas
Entre agrotóxicos
E salmão geneticamente modificado
Entre tempestades
Caindo
Dançando
Suando
Trepando
Morrendo.


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Recife, memórias e saudade


Recife
Hell
Sífilis
Hot
City
O que sois que eu me sinta?
O que me desse?
O que me tirais?

Recife
De tantas tardes
Carregadas de sol
Céu azul
Passando sonolentas
Como o rio Capibaribe
Sujo e preguiçoso.

Meu caros amigos
E familiares
terei a maior saudade.

Vocês que foram generosos
E pacientes
Mesmo aguentando o desprazer
Do meu mau humor
da minha implicância
do meu humor ácido e cretino
e outros comportamentos repreensíveis
agradeço
pela paciência
e generosidade.

Recife,
Do Antigo
Onde pairam musgos
Silenciosos
Seculares
Observando a cidade desdobrar-se
No vai e vem
De tantas gentes
Na rua da moeda
Onde Chico
Eternamente toca um maracatu elétrico
E a cacofonia de vários bares
Vitrolas e caras e coroas
Nomes que mudam
Mas sempre os mesmos
Paralelepípedos
Que convivem com loló
E outros crimes
Cães
Moradores de rua.

Recife dos mendigos
Dos meninos
Mulambos
Mulatos
Pirralhos
Maloqueiros
Em que convivem
O carro importado
E a carroça
Puxada por gente
Carregada de lixo.

Recife
Do cheiro característico
Das fossas
Dos canais
Onde a merda
Também passa vagarosa
Inerte
No calor insuportável da avenida Agamenon
Ao meio dia.

Por quantas vezes
Não errei
Impaciente
No transito lento
Em dias de chuva
Quando os canais de nossa miséria
Se revoltaram com força das águas
e transbordaram sobre toda avenida
Fazendo os pedestres conviver com ratos.

Recife
De Santo Amaro
Do Campo do 11
Da João de Barros
Do Entra a pulso
Do Coque.

As ladeiras infinitas
As casas coloridas
Erguendo-se como cogulemos
Sobre as ladeiras e morros
de Casa Amarela
Que todo ano desabam algumas
Sob as chuvas
Do Recife frio.

Mas Recife é uma cidade de mercados
Da Boa Vista
Onde poetas e músicos
Cantam melodias
E a cerveja gelada
Nos corredores apertados das mesas de plástico
Vermelhas ou amarelas
Num fuzuê
De conversas e versos.

Recife dos tempos históricos
De batalhas
E holandeses
E revoltas.

Recife de pensadores
Em sobrados
E caranguejos
Se esgueirando.
Dos Severinos
Vencendo os grandes sertões
Retirantes.
E nobres senhores de terra
Usineiros
Escravos.

Recife dos carnavais de rua
Do Galo da Madrugada

Recife da linda
Olinda
Do Carmo
Da ladeira da misericórdia
Da praça do MAC

Em quantos carnavais
dançamos o mesmo frevo de todo ano
No calor do meio dia
Com a cachaça
E uma multidão
De fantasiados
Máscaras
Caretas
Óculos escuros
Heróis
E ladrões.

O melhor Carnaval do mundo
Em Olinda
Quando no calor dos corpos
Encontram abrigo
No beijo gelado
De uma desconhecida
Bêbada
Assediada por uma multidão de homens
Contando beijos
Querendo foder e beber
Pouca roupa
Muito calor
O latão que sempre está meio quente
A vontade de urinar que não para
Pessoas mijando nas ruas históricas da cidade alta.

Recife
Cidade das contradições
De um bairrismo
De cantar o hino
E levantar bandeira
De Pernambuco
Por onde for
Orgulhoso
Mesmo sendo provinciano
Prepotente
Em geral mal educado
Tolo
Pequena burguesia
Esnobe
Pensa no carro do ano
Smarthphone
Facebook
Está cercado
De lama e caranguejos
O esgoto aflorando enquanto passa o automóvel veloz.

Recife da minha adolescência
Do colégio Vera Cruz
Quando fazíamos nossos professores chorar de desgosto
Onde as cadeiras se amontoaram
E as bolas de papéis que voavam às centenas.
Recife
Que saudade já sinto do teu fedor...

Quantas tardes desperdicei
Vento a sombra andar
Ali na casinha
Do Cac
Centro de Aids e contaminação.

Saudoso Bigode!
Querido Cavanhaque!
Aquela família acolhedora que vendia cerveja aos estudantes
E conviviam com sinucas e pedra
Tráfico e calouros
Cachorros e ônibus passando na avenida.

Saudoso Garagem
Nilson que comeu amigas minhas
Num papelão no chão
Enquanto a madrugada a dentro
Os jovens se entorpeciam
Até que a manhã raiasse
E não tivessem opção
A não ser voltar para casa.

Espinheiro
Graças
Casa Forte
Onde a pequeno burguesia da heróica capital de Pernambuco se aglomera em prédios bege
Os sobrados são agora salão de festa
Que tocam música de duvidável valor artístico...

Poço da panela
Onde os matos que antes eram pico
Agora são prédios
Ou construção de prédios
Um dos quais se chama
Pasárgada.

Pasárgada era nosso!
Nos o desbravamos!
Junto ou contra maloqueiros
Policiais.

Como é bom lembrar daquelas tardes
Ao sabor das ervas
Vendo o rio passar.

Boa Viagem
Recife
Tubarão
Porto de Suape...

Candeias
Cidade perdida entre a praia
E a cidade.
Jobostão dos Guararapes
Onde se lutou
Onde a pátria nasceu.

Leão do Norte
Impávido colosso
Se orgulhas da maior avenida em linha reta do mundo,
Ou da América latina,
E outros muitos feitos memoráveis.

Como vou sentir falta dos teus buracos
que cai ou esquivei uma centena de vezes
Das quartas no Lesbians
De suas meninas e seus charmes
Da sujeira geral
Do fedor
Do musgo dos prédios históricos
Das igrejas decadentes.

Penso que quero morrer
Em tuas águas imundas
Para que minhas cinzas
Se juntem a podridão
Geral
em que esse povo vive
alegre
Se espremendo no ônibus
E nas ladeiras de Olinda
Suando
Trepando
Sonhando
Vivendo com o que podemos
Querendo sempre um pouco mais.

Vou la para as terras geladas do Minnesota
onde não se joga futebol
Não tem praia
Os lagos são congelados.

Lá estudarei política
Cumprirei ritos e práticas
Poderei ser chamado de doutor
Professor
E ainda receber dinheiro
Dos impostos americanos
Para estudar com tudo pago
Não vai ser tão ruim afinal.

(Meu orientador
Queria que eu tivesse ido para MIT ou Yale
E talvez eu tivesse conseguido
Se eu tivesse me esforçado mais
Estudado mais
Publicado mais
Lido mais
Ter perdido menos tempo em distrações e jogos
Em tarde que se desmancharam
Sob o forte odor
Da brasa
Do mato
Do rio que passa vagaroso
No calor que dá sono
Depois do almoço.

Talvez em outra vida eu pudesse ter sido um acadêmico mais competitivo...

Eu mesmo não me julgo tão alto
E acho que tive muita sorte
E levei uma vida boa
Da qual não posso reclamar
Uma educação
Da qual não posso reclamar
Uma bolsa paga com dinheiro dos impostos.)

Carrego as contradições que explodem
Numa nuvem de poeira e merda
Como os ventos da minha cidade
Sou atravessados pelas suas palafitas
E cavalos
Pelos seus canais
E sua pequeno burguesia canalha.

Mas sou grato aos amigos
Por terem me dado memórias
Que eu vou apertar ao peito
E deixar nesses versos.

Sou grato à família
Que amo e brigo.

Sou grato aos poucos irmãos
às mulheres que me abrigaram
Me perdoem por tudo.

Enquanto puder
Voltarei
Irei encontrá-los um dia
Num mercado
Numa praia
Na praça no MAC
Em pleno carnaval
Vamos tomar uma gelada.

Escrevo esses versos
E vejo
O que me dais
O que me tirais..

Me comovo com teus prédios bege
Me jogo nos teus canais
Aceito grato teu fedor de mangue
Seu passado escravocrata
Seus canaviais.

Adeus minha cidade querida
Ficam aqui impressas
Minha memórias e saudades
Minha Ode a tu
Recife
Cidade bela.



Ivan Jucá

09 de Agosto de 2013